ZUMBI DOS PALMARES

Foto da estátua de bronze de Zumbi dos Palmares segurando sua lança em um começo de noite no bairro histórico, ao fundo a lua, o casario colonial e a Igreja da Sé.
Escultura de Zumbi dos Palmares projetada pela artista plástica Márcia Magno, na praça da Sé, no Centro Histórico de Salvador. Foto: Wikimedia Commons

Felipe Damasceno

CEFET-RJ/SME-Maricá-RJ


Zumbi é o mais célebre líder quilombola dentre os diversos que resistiram nas matas dos Palmares, na antiga capitania de Pernambuco, ao assédio violento das tropas enviadas pelos senhores de terras e pelas vilas do litoral norte da América portuguesa. Para além de biografias romantizadas e passados idealizados, o último registro documental sobre este líder palmarino a chegar aos nossos dias dá conta de seu assassinato, em 20 de novembro de 1695, por uma tropa de bandeirantes paulistas, contratados pelo governo da capitania de Pernambuco para desbaratar os redutos mocambeiros dos Palmares e reescravizar a maior parte de sua população.

Mas o que mais podemos afirmar sobre a figura de Zumbi? Ainda hoje muitas lacunas permanecem, em parte pela natureza viciada e preconceituosa das fontes documentais portuguesas do século XVII, em parte pela própria natureza mística que a figura de Zumbi conquistou desde o século XVII até hoje. É difícil afirmar até mesmo se o nome Zumbi (Zomby, Zambi…) se referia a apenas uma pessoa específica ou era uma espécie de título, dado a lideranças mocambeiras da região dos Palmares. Ainda na década de 1640, os holandeses, então senhores das capitanias do Norte, falavam de um tal Dambij como um “rei” do Grande Palmares.

Certo é que o célebre Zumbi, aquele que entrou para a história da luta antiescravista nas Américas, surge nos relatos portugueses por volta do fim da década de 1670. Era uma liderança divergente do Gana Zumba, outro famoso líder palmarino, que se rendeu às tropas coloniais em 1678. Zumbi resolveu não aceitar tratados de paz e promessas de títulos honoríficos, continuando com seu bando de quilombolas nas matas palmarinas. A documentação é rica e podemos acompanhar a saga do líder palmarino estabelecendo redutos diversos por toda aquela região: o mocambo do Zambi, o primeiro deles, o mocambo do Gongro ou Gongolo e, por fim, o abrigo no chamado Outeiro do Barriga, na já famosa Serra da Barriga, no médio para alto curso do rio Mundaú, atual estado de Alagoas. Ali, Zumbi montou sua última fortaleza para proteger a autonomia conquistada e mantida, por anos a fio, pela resistência da população escravizada que fugia para as matas de Pernambuco. O quilombo da Serra da Barriga foi derrotado em 1694, depois de dias de cerco e luta contra tropas e artilharia. Zumbi escapou ferido da peleja.

A derrota dos quilombolas liderados por Zumbi representou o mais forte revés para o projeto de liberdade que as populações de escravizados fugitivos construíram naquelas matas, ainda que a luta tenha seguido através de outros líderes – Camoanga, Mouza, entre outros. Foi depois da morte de Zumbi e da dispersão de seu grupo que o caminho para a conquista das terras mocambeiras da Zona da Mata e Agreste da capitania de Pernambuco começou a se abrir para os poderes senhoriais dos grandes sesmeiros da região.

Entre as décadas de 1900 e 1970, foram publicados diversos trabalhos acadêmicos e artísticos sobre Palmares e Zumbi, da lavra de intelectuais como Nina Rodrigues, Edison Carneiro, Arthur Ramos, Clóvis Moura, Décio Freitas; e de artistas como o poeta francês Benjamin Peret, João Felício dos Santos, Cacá Diegues, Oliveira Silveira. Toda essa efervescência cultural animou e foi animada pelos movimentos sociais, e em 1978 se consolidou a ideia do Dia da Consciência Negra, a partir de uma grande articulação de movimentos negros que gravitavam em torno da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, e do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR). Em 1980 foi criado o Memorial Zumbi dos Palmares, na Serra da Barriga, Alagoas – depois, Parque Memorial Quilombo dos Palmares, em 2006. Em 1995, ocorreram marchas no Rio de Janeiro e Brasília, em homenagem aos 300 anos do assassinato de Zumbi, com o intuito de contestar a “história oficial” que idealizava uma abolição concedida pela Princesa Isabel, no 13 de maio de 1888. Dessa maneira, foi se consolidando a ideia de Zumbi como um contraponto de resistência e luta antirracista, uma história que não vinha sendo contada e enfatizada nas escolas, nem marcada na memória social: a história da resistência dos escravizados que construiu o caminho para a Abolição.

Na Praça da Sé de Salvador podemos ver, hoje, uma homenagem à memória da luta de Zumbi e de seus companheiros (assim como a de Gana Zumba, Camoanga, Mouza e tantos outros palmarinos) através do monumento assinado pela artista plástica Márcia Magno. O nome de Zumbi também figura entre escolas, ruas e travessas da capital baiana. Mais do que lembrar Palmares, a memória de Zumbi evoca os séculos de resistência cotidiana da população cativa da Salvador escravista.

Imagem da Travessa Zumbi dos Palmares na Baixa dos Sapateiros, uma rua estreita com casas antigas, postes e fiação.
Foto da Travessa Zumbi no bairro Pernambués, uma escadaria estreita em meio a casas populares.
Na primeira foto a Travessa Zumbi dos Palmares na Baixa dos Sapateiros. Na segunda imagem, outra Travessa Zumbi, essa em Pernambués que, de acordo com os levantamentos do IBGE, é o bairro mais negro de Salvador.

Saiba mais:

DAMASCENO, Felipe A. A Ocupação das Terras dos Palmares de Pernambuco (Séculos XVII e XVIII). Tese (Doutorado em História). Rio de Janeiro: UFRJ, 2018.

GOMES, Flávio dos S. De olho em Zumbi dos Palmares. São Paulo: Claro Enigma, 2011.

LARA, Sílvia H. “Soldados e parentes: nomes centro-africanos nas matas de Pernambuco no século XVII”. Paper apresentado em Africanos nas Américas: reconstruindo vidas num novo mundo, 1675–1825, University of the West Indies, Cave Hill, Barbados, março de 2013.

SILVEIRA, Oliveira. “A evocação do 20 de novembro: origens”. In: GOMES, Flávio dos S. (org.) Mocambos de Palmares: histórias e fontes (séculos XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, pp. 149-154.

Fontes:

[Relação das Guerras Feitas aos Palmares de Pernambuco no Tempo do Governador D. Pedro de Almeida de 1675 a 1678]. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Portugal), Manuscritos da Livraria, n. 1185. Papéis Vários, fls. 149-155v.

“Relação do que se passou na guerra com os negros dos Palmares nos sertões de Pernambuco. É escrita em 1678, e está incompleta”. Biblioteca Pública de Évora (Portugal), Cód. CXVI / 2 – 13, n. 9, fls. 51-58v.

“Journaal gehouden door kapitein Johan Blaer van zijn reis naar de Palmares, van 26 februari tot 2 april 1645” [“Diário mantido pelo capitão Johan Blaer de sua viagem aos Palmares, de 26 de fevereiro a 2 de abril de 1645”]. Arquivo Nacional de Haia (Holanda), OWIC, 1.05.01.01, inv.nr. 60.