ELEVADOR LACERDA

Em 1896, o antigo Elevador da Conceição foi rebatizado em homenagem ao sujeito que o idealizou - e à sua família, que atuou no tráfico ilegal de africanos.
Foto: Paul Burley (CC BY-SA 4.0)

Silvana Andrade dos Santos

Universidade Federal Fluminense

Desde o final do século XIX, o Elevador Lacerda tem sido usado como importante meio de transporte por aqueles que transitam entre a cidade baixa e a cidade alta, no Centro de Salvador. Além disso, ele é atualmente um dos principais pontos turísticos da capital baiana. Mas o que muita gente que passa pelo local não sabe é de onde veio o capital que financiou este projeto.

O Elevador, construído entre os anos de 1869 e 1873, foi edificado no âmbito da modernização dos transportes urbanos que vinha ocorrendo em Salvador na segunda metade do século XIX. Projetado pelo baiano Antonio de Lacerda, foi nomeado, incialmente, de Elevador da Conceição e, apenas em 1896, passou a se chamar Elevador Antonio de Lacerda, em homenagem ao seu idealizador.

Antonio de Lacerda era filho do negociante português, naturalizado brasileiro, Antonio Francisco de Lacerda e de Angélica Michelina de Sampaio Vianna, filha do também negociante português Luiz Antonio Viana. Após estudar na Suíça, em 1851 foi enviado para os Estados Unidos, para cursar engenharia no Rensselaer Polytechnic Institute. Contudo, não concluiu o curso e voltou à Bahia em 1856. Uma das razões para isso fora o envelhecimento de seu pai, que se encontrava então com quase 60 anos. Com o retorno de Antonio de Lacerda ao Brasil, teve início o processo de transferência da administração dos negócios e da fortuna familiar do pai para os filhos.

Antonio Francisco de Lacerda, o pai, havia feito grande riqueza na Bahia através da participação em atividades comerciais tanto lícitas, quanto ilícitas, como o tráfico negreiro. Em 1839, oito anos após a proibição comércio transatlântico de escravizados para o Brasil, por exemplo, ele organizou, com outros negociantes, uma viagem negreira ao continente africano na embarcação Sociedade Feliz. Mas, a expedição não conseguiu cumprir com seu objetivo. O navio foi apreendido pela marinha britânica e condenado pela comissão anglo-brasileira em Serra Leoa por envolvimento no crime.

Além disso, o negociante intermediava a venda de pessoas escravizadas em sua casa comercial, situada em frente ao Trapiche Gaspar, como é possível verificar nos anúncios que veiculava nos jornais da época. Em 6 de agosto de 1838, ele anunciou no Correio Mercantil a disponibilidade para venda de um “bom oficial tanoeiro”, sem origem declarada. Dez dias depois, em 16 de agosto, foi mediador da venda de um escravizado de nação nagô, com idade estimada entre 18 e 20 anos, “próprio para carregar cadeira, e todo mais serviço ao que quiserem aplicar”. Já em 1845, anunciou o desaparecimento do escravizado Damião, haussá, padeiro, com idade estimada em 25 anos.

A riqueza que Antonio Francisco de Lacerda construiu, entre outras atividades, com o comércio de seres humanos, se revestiu tanto na formação educacional de seus filhos, enviados para estudar em outros países, quanto no financiamento de uma série de negócios na Bahia, entre eles: a fábrica Todos os Santos; o farol do Morro de São Paulo; as Companhias Bonfim e Baiana de Navegação a Vapor; o Banco da Bahia; a Companhia do Queimado; a estrada de ferro Tram Road Paraguassú; e a empresa Transportes Urbanos.

Foi justamente a empresa Transporte Urbanos, do qual Antonio de Lacerda e seu pai, Antonio Francisco de Lacerda, eram sócios majoritários, a financiadora do Elevador, que herdaria o nome da família e o legado de sua participação no tráfico negreiro.

Leia mais

Filinto Elysio do R. Barreto. O Comendador Antônio Francisco de Lacerda e a evolução dos transportes urbanos na Cidade de Salvador. Salvador: Centro de Estudos Baianos, 1969.

Silvana Andrade dos Santos. Escravidão, tráfico e indústria na Bahia oitocentista: a sociedade Lacerda e Cia e a fábrica têxtil Todos os Santos. Tese (Doutorado em História). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2020.

Waldir Freitas Oliveira. Antonio de Lacerda (1834-1885): Registros e documentos sobre sua vida e obra. Salvador: Fundação Gregório de Mattos, 2002.

Waldir Freitas Oliveira. A Industrial Cidade de Valença: Um surto de industrialização na Bahia no Século XIX. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1985.


Fontes

- Fundação Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital Brasileira. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 36, n. 75, 30 de março de 1860. p. 1.

- Fundação Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital Brasileira. Correio Mercantil (Bahia). v. 3, n. 526, 6 de Agosto de 1838. p. 4.

- Fundação Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital Brasileira. Correio Mercantil (Bahia). v. 3, n. 533, 16 de Agosto de 1838. p. 4.

- Fundação Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital Brasileira. Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 46, 26 de fevereiro de 1847. p. 4.