PRINCESA ISABEL

Retrato da regente em 1887

Renata Figueiredo Moraes

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)


Isabel Cristina de Bragança e Bourbon nasceu em 29 de julho de 1846, no Rio de Janeiro, e foi a primeira menina do casal Dom Pedro II e Dona Teresa Cristina, que já tinham o primogênito, herdeiro do trono. Depois de Isabel ainda nasceriam mais uma menina e um menino. Naturalmente, os homens seriam os sucessores no trono e apenas uma fatalidade faria de Isabel a herdeira. No entanto, em 1847 e 1848, os dois irmãos de Isabel morreram e ela se tornou Princesa Imperial, título dado aos herdeiros do trono. Em vez de receber uma criação típica das elites e para o sexo feminino, o prognóstico de Isabel assumir o trono fez com que ela tivesse uma educação diferenciada e fosse promovido um aumento da sua visibilidade em solenidades públicas, tais como seus aniversários e seu casamento com o francês Luis Filipe Gastão, o futuro Conde D’Eu, em 1864, sendo esse evento celebrado como felicidade da nação.

A herdeira do trono não era envolvida com política e nem havia um movimento de aproximá-la das tensões do Império, precisando apenas estar disponível para assumir os poderes executivo e moderador em caso de ausência do Imperador. Sua primeira Regência ocorreu em 1871, após a morte da sua irmã Leopoldina, quando seus pais foram à Europa para uma longa viagem. Antes de assumir a Regência, em 20 de maio daquele ano, o projeto da Lei do Ventre Livre já havia sido exaustivamente discutido e encaminhado pelo conservador Visconde do Rio Branco, restando à Princesa a assinatura, na ocasião da aprovação da Lei, determinante para o futuro da escravidão. Ao assumir a Regência num momento de tensão para o Império – além da aprovação da lei, o contexto foi marcado pelo fim da guerra do Paraguai e pela fundação do Partido Republicano – a imagem de Isabel passou a ser trabalhada de forma positiva e conciliadora, a fim de criar em torno dela um consenso para o futuro da monarquia. Esse primeiro período regencial terminou em 30 de março de 1872.

O segundo período regencial, em 1876, não foi de grandes marcos da sua atuação, sendo um período marcante devido ao sofrimento pessoal, com suas constantes tentativas de engravidar e após os abortos sofridos e um parto mal sucedido.

O terceiro período regencial começou em 1887, por ocasião de mais uma viagem do pai à Europa, dessa vez para tratamento de saúde. Antes disso, Isabel havia passado a se apresentar como crítica à instituição escravista. Apesar de não fazer grandes mobilizações políticas visando seu fim, atuava na esfera privada, aproveitando pequenas ocasiões para construir a imagem da liberdade como uma doação, uma concessão, feita pelo governo ou por sujeitos particulares. Um exemplo disso ocorreu em 1885, no seu aniversário, quando entregou cartas de alforrias a alguns escravizados e incentivou a gratidão dos libertos em relação a esse ato. A doação da liberdade como uma caridade era a solução pacífica que muitos desejavam, a fim de evitar o fim da escravidão nos moldes do que ocorrera nos Estados Unidos. Diante das suas ações, ao assumir a regência, a expectativa era que Isabel encaminhasse o processo para o fim da escravidão. Abolicionistas como Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e André Rebouças desejavam uma ação do governo para a abolição imediata, principalmente devido ao aumento das ações escravas e da resistência de escravizados em diversas partes do Império, bem como da pressão internacional sobre o Brasil, o último a manter o regime escravista nas Américas.

Na abertura do ano parlamentar, em maio de 1888, a regente Isabel, na Fala do Trono, indicou o encaminhamento para a abolição. Poucos dias após essa fala, a lei estava aprovada, sem unanimidade na Câmara e no Senado, sendo assinada por ela num dia de domingo, o mesmo dia da última votação no Senado. A lei, breve, não previa indenização e dava liberdade imediata aos escravizados. O imediatismo da lei alimentou o clima de festa que dominou várias partes do país, apesar de gerar atitudes controversas entre autoridades e senhores de escravos, que não queriam cumpri-la, e promoveram a ideia de que a liberdade não seria tão imediata assim. Ao mesmo tempo, construía-se uma leitura de doação da liberdade, sendo o ato de Isabel a redenção do Império e da nação escravista. Festas, eventos religiosos, poesias, cartazes e homenagens dos mais variados tipos à Princesa ocorreram não apenas em 1888, mas também no ano seguinte, quando ela já não era mais regente e se afastaria da política, como fizera sempre que saía da regência. Ao darem a ela o título de “redentora”, imprensa, políticos e uma parte da população esqueciam de seu passado escravista e a tensão que marcou as últimas décadas da escravidão no Brasil, principalmente por conta da luta de homens e mulheres pela sua própria liberdade, fundamental para a crítica e posterior extinção da instituição.

A Isabel “redentora” continuou a ser celebrada durante muitos anos nos aniversários da abolição, a despeito da República, que a cada 13 de maio disputava a sobrevivência dessa memória imperial, buscando indicar novos sujeitos e heróis a serem celebrados. Missas, associações beneficentes, festas e diversos eventos foram feitos em sua homenagem e ao 13 de maio, no período republicano, sendo vista a sua assinatura como o início de um novo tempo que começava pelo esquecimento do passado escravista e de seu legado negativo para a sociedade. No entanto, esse movimento não seria fácil para muitos homens e mulheres negros e negras, que ganharam apenas a liberdade, sem justiça social, direitos, emprego e educação.

Diante de uma abolição incompleta, o papel de Isabel se esvaziaria ao longo das décadas e deixaria de servir para aqueles que celebravam a abolição. Em meio a golpes na República, governos autoritários e ditaduras, novos heróis para a liberdade foram reforçados, em detrimento da “redentora” Isabel. No centenário da abolição, Zumbi dos Palmares e outros homens negros receberam homenagens e foram alçados à condição de heróis da abolição e da luta por “outra liberdade”, necessária para complementar a de 1888. Isabel passou a ser vista como o contraponto de uma ideia de luta, ficando sem sentido a sua “doação”, por ser vazia e incompleta.

No entanto, isso não impediu a continuidade de algumas homenagens, em estátuas, dando nome a uma importante Avenida que liga o bairro da Graça, em Salvador e a uma rua em Piatã, nomes de rua e até em música, como a “13 de maio” de Caetano Veloso, que lembra das celebrações à Isabel em Santo Amaro, na Bahia. Atualmente, a revitalização de um movimento monarquista tende a explorar novamente a imagem de Isabel como a responsável pelo fim da escravidão, sem lembrar que sua assinatura foi um movimento protocolar de quem ocupava o cargo no 13 de maio de 1888.

Para saber mais:

José Murilo de Carvalho. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Robert Daibert Júnior. Isabel, a “redentora” dos escravos. Uma história da Princesa entre olhares negros e brancos (1846-1988). Bauru, SP: EDUSC, 2004.

Renata Figueiredo Moraes. As festas da abolição. O 13 de maio e seus significados no Rio de Janeiro (1888-1908). Tese (Doutorado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de História, 2012.