PEDRO RODRIGUES BANDEIRA

Cândido Domingues

Centro de Humanidades/Nova de Lisboa
Programa de Pós-Graduação em História/UFBA
Universidade do Estado da Bahia - Campus IV

O capitão Pedro Rodrigues Bandeira ficou conhecido na História da Bahia por ter participado do contexto político que permeou a Independência da Bahia (2 de julho de 1823), o que lhe valeu vultos de herói e homenagem em nome de rua. De início, em 1821, contribuiu com 200$000 réis (duzentos mil réis) para um fundo que pagaria a soldados da Pátria. Eleito deputado com 15 votos, o comendador Pedro Rodrigues foi para Lisboa representar a Bahia nas Cortes de 1821 e nas Cortes ordinárias de 1822. Para além disso, seu nome ainda está ligado aos grandes senhores de engenho, como homem visionário que deu ânimo à navegação a vapor, a última inovação nos meios de transportes aquáticos do século XIX.

Comerciantes e transeuntes daquela estreita e antiga rua no bairro do Comércio, freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, ou mesmo os admiradores do Solar da Bandeira, no largo da Soledade (também espaço das comemorações da Festa do 2 de Julho), muito provavelmente não conhecem a forte participação do homenageado Pedro Rodrigues Bandeira no tráfico de africanos escravizados.

Seu pai, também chamado Pedro Rodrigues Bandeira, em 1755, aos 41 anos, já era homem de negócio reconhecido no tráfico negreiro. Nesse mesmo ano, testemunhou no Tribunal da Relação em processo sobre o contrabando de ouro para a costa africana. Sua condição de grande comerciante da praça da Bahia foi coroada com a participação da Mesa de Inspeção da Bahia, instância que administrou o comércio e transporte de açúcar, tabaco e africanos escravizados na segunda metade do século XVIII.

O Rodrigues Bandeira pai, português de Viana do Castelo, já bem estabelecido na sociedade baiana, casou-se com dona Ana Maria de Jesus Magalhães Correia Lisboa, nascida na Vila de Cachoeira, recôncavo da Baía de Todos-os-Santos. Do casamento nasceram três filhas e um filho. Pedro foi o caçula de três irmãs, recebeu o mesmo nome do pai e deu prosseguimento às redes sócio-comerciais estabelecidas pelo genitor. Assim como sua irmã Maria da Encarnação, Pedro nunca se casou. Por outro lado, suas irmãs foram importantes no reforço das redes negreiras da família.

A primogênita, dona Joaquina Josefa de Santana Bandeira casou-se com o caixeiro de seu pai, o português Custódio Ferreira Dias, que se tornaria grande homem de negócio e responsável por quatro viagens à África (1779-1793): uma para Luanda (Angola) e as demais para a Costa da Mina. Clara Caetana do Sacramento Bandeira, a segunda filha do casal, casou-se com Francisco Vicente Viana (futuro 1.º Barão do Rio das Contas), filho do poderoso traficante português Frutuoso Vicente Viana. Frutuoso é daqueles que investiram em diversas viagens negreiras, porém não temos documentos que o registrem como cabeça das expedições. Em 1767, por exemplo, ele e mais outras 57 pessoas investiram na corveta Nossa Senhora das Esperança e São José. Frutuoso entrou com 94 rolos de tabaco para comprar africanos na Costa da Mina.

Como vemos, Pedro, o filho, nasceu no mundo dos negócios... dos negócios de compra e venda de pessoa, em especial.

Assim como seu pai, Pedro Rodrigues Bandeira foi admitido como Irmão de Maior Condição na Santa Casa de Misericórdia da Bahia (16 de junho de 1793). Anos depois, seu viver nobremente foi reconhecido pelo Príncipe Regente Dom João (futuro rei d. João VI) com a habilitação para a Ordem de Cristo (1804). Nesse tempo, já reconhecido como importante homem dos negócios da Bahia, ocupava os cargos de Tesoureiro Geral da Capitania e Deputado da Junta da Fazenda Real.

Pedro Rodrigues Bandeira, organizou pelo menos 8 viagens para comprar pessoas escravizadas na África, entre os anos de 1798 e 1807. Nessas viagens, comprou 2.885 africanos, dos quais 2.708 (93,86%) desembarcaram vivos em Salvador. 177 africanos, homens, mulheres e crianças tiveram o Oceano Atlântico como última morada. Certamente Pedro esteve envolvido em muitas outras viagens; nem ele começou no tráfico em 1798, nem saiu dele em 1807. Infelizmente não dispomos dos livros das casas comerciais, e muito dos documentos de registros das viagens negreiras se perdeu. Essa imagem aqui narrada, no entanto já dá conta da sua forte inserção na comunidade dos grandes comerciantes de pessoas escravizadas da Bahia e, até mesmo, do Brasil. Ironia ou desfaçatez, essas viagens foram feitas em duas embarcações, a Corisco e a Santo Antônio do Vale da Piedade. Esta última popularmente conhecida no porto como Criminoso!

Com o comércio de pessoas escravizadas, tabaco, açúcar e aguardente, senhor de quatro engenhos no recôncavo e envolvendo-se nas rotas comerciais da África, Europa e Ásia, Pedro Rodrigues Bandeira ultrapassou o poder e fortuna do pai, tornando-se não apenas um dos mais ricos do recente Império do Brasil como, também, uma pessoa influente na sua política.

Tanta riqueza foi muito bem apresentada à sociedade e viajantes no magnífico solar construído no distrito da Soledade, nos arrabaldes de Salvador, com dois pavimentos, molduras em pedra de lioz na fachada e gradis de ferro. Como se nota na imagem, realmente o destaque ficava por seus jardins e a exuberante vista para a Baía de Todos-os-Santos. Ainda hoje podemos vê-lo, infelizmente em péssimo estado de conservação.

Dentre uma série de revoltas escravas que sacudiram a Bahia e seu recôncavo, a notícia de uma delas deixou Cachoeira em alerta. Escravos do imponente Engenho Vitória, às margens do rio Paraguaçu, mataram o feitor e seu irmão. Correu a notícia que se tratava de um levante que congregava os escravos do Vitória e outros três engenhos de Pedro Rodrigues Bandeira, que lhe eram próximos. Os fatos logo mostraram-se direcionados apenas a dois. Ainda assim, a vila de Cachoeira ficou em alerta.

Antes de morrer, em 13 de outubro de 1835, Pedro Rodrigues ainda vivenciou, certamente com desgosto, a maior revolta urbana de africanos escravizados do Brasil, a revolta dos Malês, ocorrida em janeiro daquele ano.


Leia mais:

Alexandre Vieira Ribeiro. A cidade de Salvador: estrutura econômica, comércio de escravos, grupo mercantil (c.1750-c.1800). Tese de doutorado (História Social), UFRJ, 2009, p. 367-388.

João José Reis. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 106-108.

Marcelo Renato Siquara Silva. Independência ou morte em Salvador: O cotidiano da capital da Bahia no contexto do processo de independência brasileiro (1821-1823). Dissertação de mestrado (História Social), UFBA, 2012.

Marieta Alves. “O comércio marítimo e alguns armadores do século XVIII, na Bahia”. Revista de História (USP). nº 74 (abr-jun/1968), parte V, pp. 425-434.

https://www.jornalgrandebahia.com.br/2010/06/salvador-solar-bandeira-sera-tombado-pelo-estado-da-bahia/, acesso 18/06/2020.

http://www.hpip.org/pt/heritage/details/1174, acesso 18/06/2020.

Fontes:

Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa), Conselho Ultramarino (AHU, CU), Bahia, cx. 9, doc. 1615-1617.

AHU, CU, Bahia, Coleção Castro e Almeida, cx. 42, doc. 7860-7866.

Correio Braziliense (Londres, Inglaterra), edição 23, 1819, p. 306. (http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/, acesso 22/07/2020)

https://www.slavevoyages.org/ (acesso 22/07/2020).

Aquarela dos amplos jardins do sobrado, na pintura crianças brancas brincam e são servidas por pessoas negras, ao fundo o mar, no meio do jardim há uma fonte de água semelhante a um chafariz. Diversos sobrados também podem ser vistos após os limites dos jardins, assim como coqueiros, palmeiras e outras árvores da flora baiana
Aquarela de J. Naher, séc. XIX - Coleção IGHB.
Foto de um antigo casarão construído às margens do Rio Paraguaçu e em meio a vegetação do mangue, as paredes do casarão são encerradas propriamente dentro do rio, há uma canoa ancorada ao lado da parede, o casarão tem dois pavilhões altos e um sótão amplo, o prédio possuí grande quantidade de janelas de vidro, mas não se encontram preservadas, existem marcas de ruína nas paredes que são predominantemente cinzas
Engenho Vitória, às margens do Rio Paraguaçu, Cachoeira-Bahia. Foto: Cândido Domingues (03/10/2014).