CRISTÓVÃO COLOMBO

No coração do Rio Vermelho, bairro que abrigou um aldeamento de indígenas, eis Cristóvão Colombo. Foto: Felipe Azevedo e Souza.

Érica Lôpo de Araújo

Universidade Federal do Piauí


Cristóvão Colombo nasceu em 1451, em Gênova, e desde jovem dedicou-se à navegação. Por volta de 1476 fixou residência em Portugal, onde viveu por cerca de 10 anos, até ter negado seu pedido de apoio a uma expedição com destino às Índias pela Coroa portuguesa, quando mudou-se para Castela. Faleceu em 1506, após realizar quatro viagens às “Índias”, melhor dizendo, à América.

A memória coletiva acerca de Colombo o registrou como “descobridor da América”, em razão de sua chegada em 1492 à ilha de Guanahani, que ele rebatizou como San Salvador, na América Central. A narrativa predominante sobre o personagem exalta uma imagem quase mitológica do heroico desbravador de elevada coragem, responsável pela revelação de um continente desconhecido, ou ainda do homem-instrumento através do qual se materializaria a expansão do cristianismo. Mas seria possível falar em descobrimento da América sem negligenciar as populações e as perspectivas nativas?

Não interessavam a Colombo os nomes originários, e ele renomeou espaços, objetos e pessoas em função dos lugares que estes ocupavam em sua descoberta. Para dar-lhes nomes “justos”, ou melhor, adequados à sua proposta. E, dentro dessa premissa, chamou de “índios” os nativos, por crer ter chegado nas Índias. Nomenclatura que, desfeito o imbróglio geográfico, se perpetua até hoje.

Nas cartas e diários de Colombo, os indígenas foram descritos em meio à natureza, sem maior distinção. Encontravam-se e ainda se encontram, no imaginário coletivo, em algum lugar entre pássaros e árvores. O navegador partiu do princípio de que a ausência de roupa os fizesse iguais entre si e a interpretou como nudez cultural, religiosa e espiritual. Os indígenas seriam páginas em branco à espera de inscrição castelhana e cristã; apenas a distinção entre bom e mau, generoso e covarde era observada. Para Colombo, esses sujeitos, nomeados índios, precisavam adequar-se aos hábitos, usar as vestes e seguir os ritos castelhanos. Após os primeiros contatos, muitos foram enviados à Europa. Primeiro, como criaturas exóticas a serem apreciadas, mas depois vendidas como escravos, dando início a uma longa discussão sobre qual status atribuir à população nativa, debate no qual nunca lhes coube o privilégio de ter reconhecida a sua diversidade.

É preciso reconstruir a história de maneira a se entender não o descobrimento da América, mas sim a ideia de que a América foi descoberta, o que não é a mesma coisa. A exaltação da convicção de uma descoberta omite a violência presente inclusive nos aspectos mais simbólicos como o ato de nomear, que naquele contexto equivalia também a tomar posse, fornecer uma certidão de nascimento, ou mesmo de batismo, em razão de sua justificação religiosa. A predominância da imagem de Colombo como símbolo do descobrimento camufla a violência que regeu os terríveis acontecimentos fruto do encontro entre culturas distintas.


Leia mais:

O’GORMAN, Edmundo. A Invenção da América. São Paulo: Unesp, 1992.

RUSSELL-WOOD, John. “Antes de Colombo: O prelúdio africano de Portugal à passagem atlântica e sua contribuição à discussão sobre raça e escravidão”. In: Histórias do Atlântico português. São Paulo: Unesp, 2014, pp. 27-71.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

GRUZINSKI, Serge. A colonização do imaginário: sociedades indígenas e ocidentalização no México espanhol. Séculos XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.


Fontes:

COLOMBO, Cristóvão. Diários da descoberta da América: As quatro viagens e o testamento. Introdução: Marcos Faerman. São Paulo: L&PM, 1997.

Algumas cartas e diários de bordo de Cristovão Colombo estão disponíveis em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=1941


Para assistir:

SCOTT, Ridley. 1492: A Conquista do Paraíso. EUA/FRA/ES, 1992.