MANUEL DA NÓBREGA
Moreno Pacheco
Universidade Federal da BahiaManuel da Nóbrega nasceu em Portugal, em 1517, e morreu no Rio de Janeiro, em 1570. Fundador da província jesuítica do Brasil, veio para a América em 1549, na armada que trouxe o primeiro governador-geral da colônia, Tomé de Sousa, que fundou Salvador. Nóbrega liderava um pequeno grupo de jesuítas, no intuito de fincar as raízes da Companhia de Jesus na América portuguesa. Como provincial, organizou e supervisionou o trabalho missionário dos jesuítas, tarefa que, se o afastou do ambiente de missionação propriamente dito, o inseriu plenamente no domínio da política do Brasil colonial.
O objetivo primordial dos jesuítas era mesmo a propagação da fé católica por meio da catequese dos indígenas, o que, ao mesmo tempo, deveria contribuir com a Conquista ao torná-los súditos da Coroa portuguesa – dois aspectos indissociáveis da atividade missionária no Brasil. De início, os europeus alimentaram a crença de que os nativos não possuíam religião e desconheciam outra fé que pudesse rivalizar com a cristã. Esta percepção, somada à empolgação que os nativos demonstravam quando apresentados aos ritos católicos, criou certo otimismo entre os jesuítas.
A conversão prometia ser tarefa fácil e Manuel da Nóbrega acreditava que para isso bastaria negociar com os indígenas e persuadi-los. As primeiras cartas enviadas pelos missionários para a Europa pareciam confirmar essa tendência, ao darem conta a seus superiores sobre a realização de batismos em massa. Os grandes adversários da missão jesuítica eram, na avaliação de Nóbrega, os próprios colonos, que escravizavam os indígenas à força e terminavam comprometendo a imagem dos brancos em geral. Vem daí, aliás, a ideia de um Nóbrega esforçado por garantir a “liberdade” dos nativos.
Mas a experiência dos anos seguintes esfriaria o ânimo das primeiras impressões e os indígenas se revelariam inconstantes demais para o gosto dos missionários. Com o mesmo ímpeto com que pediam pelo batismo e pela confissão, diziam os padres, eles depois se voltavam a suas antigas práticas. Dentre essas, as mais difíceis de debelar, na opinião dos missionários, eram os casamentos poligâmicos, a antropofagia ritual, o nomadismo e o costume que mantinham de fazer guerras entre si.
Nessa primeira fase, os jesuítas iam até os indígenas em missões volantes. Era comum que padres se queixassem de que todo o trabalho alcançado era rapidamente desfeito, assim que se afastavam das aldeias visitadas. Mas, além da “inconstância da alma selvagem”, outros fatores começaram a pesar na avaliação de Nóbrega. Uma delas eram as investidas dos indígenas, que atacavam as povoações de colonos que faziam assentamento longe das fortalezas portuguesas, impedindo assim o progresso da Conquista. Mesmo os religiosos passaram a ser alvo. Além de perder alguns de seus companheiros em ataques de nativos, em 1556 o primeiro bispo da Bahia caía em mãos dos Caeté.
Esse quadro fez com que Nóbrega reavaliasse a condução da missão. Os jesuítas iriam seguir a catequese, mas somente depois que a administração colonial subjugasse os indígenas potencialmente hostis por meio da guerra, extinguindo as aldeias autônomas e transformando os que recusassem a catequese em escravos. Esta escravização era considerada legal, porque realizada por meio do dispositivo jurídico de guerra justa, que permitia a escravização dos inimigos da fé. Os nativos que capitulassem seriam então deslocados a novos núcleos comunitários, que os historiadores chamam de “aldeamentos” para distingui-los das aldeias originárias. Nesses novos núcleos, o ritmo da vida e do trabalho indígena seria melhor controlado pelos jesuítas, que teriam, então, a chance de alterar fundamentalmente as crenças e os costumes dos nativos.
Manuel da Nóbrega e os jesuítas ajudaram a formular e apoiaram, portanto, a política tocada pelo terceiro governador-geral do Brasil, Mem de Sá, que fez guerra contra os indígenas do entorno de Salvador, massacrou lideranças e dissolveu aldeias. Mas, além da política de extermínio e terror que apoiou, a montagem dos aldeamentos terminaria por fomentar outro tipo de morticínio, para não falar da violência nem sempre sutil da própria catequese.
Nos aldeamentos, além da presença permanente de jesuítas, que muitas vezes serviram de vetor para o contágio ao atuarem mesmo doentes, os missionários ainda estimulavam a visita constante de brancos e de índios de outros assentamentos, sobretudo em dias festivos. Segundo Alida Metcalf, essas movimentações e aglomerações agravaram os surtos epidêmicos, que atingiram populações sem defesas biológicas contra doenças conhecidas no Velho Mundo. Os jesuítas, no entanto, assumiram a posição de que as epidemias consistiam em castigo divino contra a obstinação indígena em viver em pecado. Manuel da Nóbrega chegou a recusar a adoção de medidas profiláticas já conhecidas na época, como a quarentena, para conter o avanço das enfermidades.
Dos 40 mil índios distribuídos nas 14 aldeias que havia na Bahia, em 1563, só 3.500 restavam, em três aldeamentos, vinte anos mais tarde.
Leia mais:
Alida Metcalf. Os papéis dos intermediários na colonização do Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2019.
Carlos Alberto de Moura Ribeiro Zeron. Linha de Fé: a Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.
Eduardo Viveiros de Castro. “O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem”. In: A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Ubu Editora, 2020, p. 157-228.
Fabrício Lyrio Santos. Da catequese à civilização: colonização e povos indígenas na Bahia. Cruz das Almas: UFRB, 2014.
Fontes:
Manuel da Nóbrega. Diálogo da conversão do gentio. Disponível em https://bit.ly/31g5Nc6.
Regimento que levou Tomé de Souza governador do Brasil, Almeirim, 17/12/1548. Lisboa, Arquivo Histórico Ultramarino, códice 112, fls. 1-9. Disponível em https://bit.ly/2NBoFKk.
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