PADRE ANTÔNIO VIEIRA

Na antiga Quinta dos Padres, atual Arquivo Público do Estado da Bahia (fechado desde fevereiro de 2019), descansa um busto de Antônio Vieira. Foto: Thiago Groh.

Moreno Pacheco

Universidade Federal da Bahia


Antônio Vieira nasceu em 1608, em Lisboa. Veio ao Brasil pela primeira vez ainda criança e, na Bahia, ingressou no Colégio da Companhia de Jesus. Terminou por se tornar ele mesmo um jesuíta, dando início à sua longa carreira de sacerdote e orador. Em 1641 seguiu para Portugal, onde se destacou como diplomata e conselheiro político de D. João IV. Depois de idas e vindas entre a América e a Europa, se recolheu novamente à Bahia, ao fim da vida. Dedicou-se a seus escritos até a morte, em 1697.

Como jesuíta, a imagem de Vieira ficou marcada como defensor da liberdade dos indígenas, ainda que essa mesma liberdade estivesse atrelada ao imperativo da conversão ao cristianismo e ao abandono de sua cultura e do seu modo de vida. Porém, se a narrativa que vingou foi a de protetor dos nativos, apesar do alto grau de violência embutido no trabalho missionário e das guerras que o próprio Vieira estimulou contra indígenas insubmissos, suas opiniões sobre a escravização de africanos deixaram menos espaço para dúvidas.

Em 1633, ainda na Bahia, Antônio Vieira pregou para uma confraria de africanos escravizados. Segundo Ronaldo Vainfas, o sermão parece ter tido o intuito de aquietar a escravaria baiana, e pode ter sido parte de um esforço maior de controle social, articulado por proprietários, religiosos e a própria administração colonial. Na pregação, o jovem Vieira argumentou que os escravizados deveriam ser gratos por terem sido arrancados da África e levados para o Brasil, onde poderiam ser instruídos na fé cristã e alcançar a salvação de suas almas. O sofrimento do cativeiro foi, aliás, nas maquinações do hábil pregador, comparado aos suplícios de Jesus Cristo e, assim, valorizado como prenúncio da salvação. Era o “doce inferno” do trabalho forçado nas roças e engenhos de açúcar...

Aparentemente, Vieira não repensou sua posição. Em 1661, ele recomendaria que no Pará os indígenas escravizados fossem substituídos por angolanos, e por razões práticas: para ele, os africanos eram mais dados ao trabalho, mais resistentes a doenças e, por desconhecerem a terra, fugiam menos. Em 1680, em outro sermão, ele repetiria os mesmos argumentos defendidos na juventude sobre a escravidão como redenção africana. Por fim, em 1691, recolhido em Salvador, um Vieira já velho voltaria à carga. Consultado pela Coroa portuguesa sobre a possibilidade de uma missão jesuítica tentar apaziguar os ânimos e catequizar os aquilombados em Palmares, que andava em revolta aberta, Vieira foi categórico: argumentou que os palmarinos viviam em estado de pecado contínuo e que, portanto, não podiam ser absolvidos, confessados ou mesmo cristianizados.

Mas, além disso, Vieira discordava da possibilidade de os rebeldes serem apaziguados e terem seus mocambos transformados em centros de catequese jesuítica. Afinal, segundo ele, uma vez concedida a liberdade aos que se rebelaram e fugiram para a Serra da Barriga, em pouco tempo os demais, em todo o Brasil, seguiriam o exemplo e transformariam “cada cidade, cada vila, cada lugar, cada engenho” em novos Palmares.

Leia mais:

Alfredo Bosi. “Vieira ou a cruz da desigualdade”. Em: Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

Luís Filipe Silvério Lima. “As partes e gentes da África na obra de Padre Antônio Vieira: a construção da figura literária e a ideia do Quinto Império”. Clio, v.27, n.2 (2009), p. 87-116. Disponível em https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/issue/view/1793/showToc.

Luiz Felipe de Alencastro. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Ronaldo Vainfas. Antônio Vieira: jesuíta do rei. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.


Fontes:

Antônio Vieira. Maria Rosa Mística. Excelências, poderes e maravilhas do seu Rosário, compendiadas em trinta sermões ascéticos e panegíricos sobre os dois Evangelhos desta solenidade, Novo, e Antigo. Parte I. Lisboa: na oficina de Miguel Deslandes, 1686. Disponível em https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4560.

Os sermões de Vieira também estão disponíveis em https://bit.ly/38xfjcw. O sermão de 1633 se encontra em https://bit.ly/2VLTpNv.